Trio de Gonçalo Marques com Bill McHenry
Da Vida e da Morte dos Animais
CD TOAP 2010

Gonçalo Marques é um jovem trompetista que estudou na escola do Hot Clube e no Berklee College of Music, possuindo, apesar da juventude, um já invejável currículo como professor (Hot Club, JB Jazz, Escola de Jazz do Barreiro, Escola Superior de Música de Lisboa, mas também na Academia de Amadores de Música e no próprio Berklee College of Music); para além da sua actividade como músico, à frente do trio com o seu nome, como membro da Big Band do HCP, de formações de André Fernandes, Sara Valente e outros. Curiosamente é também licenciado em Física pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, possuindo ainda estudos de Matemática.
Da Vida e da Morte dos Animais é a sua estreia em disco, onde revela desde logo uma maturidade invulgar. Todos os temas são originais de Gonçalo Marques o que, constituindo um risco, confirmou também o músico como autor. O jovem trompetista não arriscou numa elaboração escrita excessiva, mas o trabalho de arranjos é muito interessante, e ainda assim, a simplicidade é absolutamente premeditada, preferindo uma escrita feliz e fresca à complexidade. Gonçalo Marques inspira-se nas coisas simples do quotidiano, e creio que essa observação determina também o ritmo do CD, onde predominam os tempos lentos ou médios.
A emoção não marca o ritmo do CD, mas a quietude e a bonomia. Música contida, de concepção que se diria cirúrgica (o espírito matemático contribuirá talvez), com o espaço para a improvisação bem doseado, num equilíbrio pouco comum num jovem músico. Ao trio com Demian Cabaud e Bruno Pedroso, Gonçalo Marques ajuntou o saxofone de Bill McHenry, criando uma frente de dois sopros com a difícil tarefa de contornar a ausência do instrumento harmónico.
Creio que o desafio foi inteiramente ganho no alargamento da paleta tímbrica própria dos dois instrumentos; recorrendo por diversas vezes a uníssonos ou contrapontos ou complementando-se no contar das histórias. Sem ser acutilante como um bopper (ou redondo como um trompista), o som de Gonçalo Marques é bastante incisivo e, notavelmente, de um enorme controlo. A secção rítmica não precisa prestar provas da sua autoridade, mas cumpre aqui de forma eficaz o difícil papel que lhes está reservado; quase sempre de suporte. Enfim, o convidado Bill McHenry integra-se perfeitamente no grupo, revelando a estatura que o reconhecimento público ainda lhe não reserva.
Excelente disco de estreia.

Gonçalo Marques (t)
Bill McHenry (st)
Demian Cabaud (ctb)
Bruno Pedroso (bat)

(Este texto foi publicado em Jazz 6/4 #9)